terça-feira, 24 de maio de 2011

Relações conflituosas - Brasil e Argentina*


A Argentina mais uma vez coloca barreiras para a importação de produtos brasileiros, atingindo quase um quarto das nossas exportações. Nosso vizinho vem criando dificuldades para a entrada de eletrodomésticos, máquinas agrícolas, chocolates, vasos sanitários e brinquedos, reforçando as restrições anteriores de autopeças, calçados, material de transporte, toalhas, entre muitos outros itens, e assim a presidente Cristina Kirchner vai fazendo o dever de casa - naturalmente o esperado pelos produtores argentinos - para reduzir o déficit comercial em relação ao Brasil.

A resposta brasileira seria inevitável - conforme a prática das trocas comerciais em todo mundo e para as quais foi preciso criar um organismo supranacional para controlar desavenças, a Organização Mundial do Comércio, o que nem sempre consegue. Por isso, do lado de cá também estão sendo colocadas restrições para a importação de produtos do país vizinho e a gritaria por lá é enorme.

Essas são relações conflituosas que não prejudicam apenas o bom relacionamento entre os dois países mas lançam sombras sobre os sonhados propósitos de uma América do Sul unificada na defesa dos interesses comuns em relação aos países mais poderosos. Ruim, portanto, para todos. E não é de agora que Brasil e Argentina se estranham. Nos momentos em que a crise global da economia atingiu duramente os argentinos e somente pesou sobre o nosso País como uma ameaça, as medidas protecionistas pareceram o único caminho a ser adotado pelo nosso vizinho.

Agora, quando a crise aparece como mais uma mancha histórica - apesar de ter seus rescaldos na economia argentina -, a presidente Cristina Kirchner reacende medidas que restringem ou atrasam a entrada de produtos brasileiros, numa proporção que desequilibra de vez a balança: as barreiras chegam perto de um quarto das vendas, quase o dobro das medidas protecionistas em 2010.

A reação brasileira foi imediata e uma das medidas adotadas pela presidente Dilma Rousseff foi acabar com a importação automática de veículos argentinos, provocando reação do outro lado da fronteira em níveis poucas vezes visto nos últimos tempos, inclusive com uma troca de correspondências cheias do que nós nordestinos costumamos entender como desaforos, entre o ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio brasileiro, Fernando Pimentel, e a ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi.

Como seria inevitável perceber nos altos escalões dos dois governos, ficou evidente que a nenhum dos dois países cabe falar mais alto, em tom de ameaças - mesmo quando se considera a supremacia econômica brasileira -, quando estão em jogo interesses comuns que se projetam para o futuro e, principalmente, para o Mercosul. Essas tensões devem ser esfriadas em reuniões nos próximos dias, ou então ficará a sensação de que esse mercado existe apenas no papel.

*Editorial do Jornal do Commercio (PE) publicado em 24 de maio de 2011

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